![volta pelo coronavirus](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/03/foto-de-villa-carlos-paz-2.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
Eu estava no meio da viagem dos meus sonhos quando as notícias sobre o rápido avanço do novo coronavírus chegou à minha atenção. Comecei a trip do Atlântico ao Pacífico em 9 de fevereiro de 2020, exatamente um ano depois de tirar minha primeira moto da concessionária, uma linda XRE 190.
Desde antes de sair de casa sabia o que estava acontecendo, especialmente na Ásia e na Europa. Mas nunca imaginei que a pandemia chegaria na América do Sul. Lembro de, com menos de uma semana de viagem, brincar com a caixa de uma ferragem de São Gabriel para não aceitar o dinheiro do meu amigo, que estaria contaminado pelo coronavírus.
O SINAL DE ALERTA: SHOW CANCELADO PELO CORONAVÍRUS
As informações que chegavam e inicialmente pareciam fake news foram, a cada dia, tornando-se mais sérias. Contudo, a ficha só caiu quando fui avisada que o show do Fito Páez que eu iria no dia 13 de março fora cancelado. Um dia antes de sua realização.
![volta pelo coronavirus](https://i2.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus-3.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
Fiquei frustrada, pois ficara na cidade uma semana mais só pelo espetáculo e o ingresso comprometera um pouco meu orçamento. Somente depois de superar a tristeza que percebi que a coisa estava muito séria. Mas como tudo ainda estava incerto, decidi prosseguir a viagem.
Saí de Rosario com a chuva que molhava meu capacete enquanto as lágrimas molhavam meu rosto. Uma angústia invadia o peito. Angústia que pela primeira vez sentia nessa viagem. Aquela situação indefinida me deixava insegura.
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Ainda debaixo de garoa cheguei em Bell Ville, já na província de Córdoba. Na chegada, no fim da tarde, compartilhei mate com a família que me recebeu. Depois li que já havia casos na região e neguei a bebida durante o café da manhã do dia seguinte.
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Peguei a estrada sem saber se seria parada pela polícia alguma vez. Passei pelo centro de Córdoba Capital, cujo movimento pareceu similar ao que encontrei em 2017. Conheci alguns lugares turísticos como o Dique San Roque e o Camino de las Cien Curvas.
![volta pelo coronavirus](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus-5.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
Mas já me sentia culpada por fazer turismo naquele momento delicado e tentei ficar o mais afastada possível de outros turistas. Eu me conformei que a viagem que eu sonhava há cerca de três anos estava prestes a acabar, mas ainda achava que poderia conhecer um pouco mais da província de Córdoba antes de retornar.
FRONTEIRAS FECHADAS E QUARENTENA: O CORONAVÍRUS ACABA COM A VIAGEM
![reloj cucu](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-de-carlos-paz.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
Contudo, já na chegada no maravilhoso hostel de Villa Carlos Paz, o dono já me deu uma péssima notícia (para mim, pois para a prevenção, foi ótimo): o Chile havia fechado suas fronteiras. Ponderei sobre a possibilidade de ela abrir nos dias que se seguiriam, mas considerei mais prudente cancelar a ida. Até por que eu correria o risco de entrar e não poder sair depois.
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No dia seguinte, sentada em frente à televisão da sala de estar enquanto trabalhava no blog, mais más notícias (para mim): a partir do dia seguinte, quando começaria um feriadão, viagens interprovinciais estavam proibidas em ônibus e aviões. Sem informações sobre veículos particulares.
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Cogitei explorar outras localidades da região, mas por causa dos boatos de uma possível quarentena obrigatória e impossibilidade de circulação, preferi planejar a volta. Eu estava a mais de 1.500 quilômetros de casa.
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O PRIMEIRO DIA DA VOLTA: VILLA CARLOS PAZ – ROSARIO
Ao invés de fazer um passeio tranquilo pelos agradáveis balneários dos translúcidos rios cordobeses, arrumei a moto e peguei a estrada. Foram 450 tensos quilômetros até Rosario. Eu tinha medo que a polícia impedisse minha circulação, especialmente na divisa entre as províncias de Cordoba e Santa Fe, mas ninguém me parou.
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Cheguei à casa do amigo José, de onde eu tinha saído há apenas três dias, em circunstâncias completamente diferentes. Ali eu me sentia segura para ficar, caso fosse necessário – mas essa seria a última opção.
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Liguei para o consulado brasileiro em Rosario, que me informou só atender via e-mail. O de Buenos Aires, com o qual só consegui contato pelo número de emergência em espanhol, não soube me informar sobre a situação da fronteira.
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O SEGUNDO DIA DA VOLTA: ROSARIO – CONCORDIA
Decidi arriscar e enfreitei os 360 quilômetros até Concordia. Eu sabia que poderia ficar na casa da amiga Silvana até o fim das restrições durante a pandemia do coronavírus, caso fosse preciso. Novamente, o medo de me pararem não se justificou, nem mesmo na divisa das províncias de Santa Fe e Entre Rios, mesmo passando por mais de cinco controles policiais.
![volta pelo coronavirus](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus.jpg?resize=500%2C750&ssl=1)
Foi na televisão de Sil que assistimos ao excelente pronunciamento do presidente argentino, Alberto Fernández, de declarou quarentena oficial na Argentina a partir da meia-noite daquele dia para tentar impedir o avanço do coronavírus. O decreto dizia que as pessoas deveriam ficar em seus domicíclios, a não ser para saídas indispensáveis.
Como eu não tinha domicílio na cidade, confiei nessa brecha para sair no dia seguinte. Pela manhã, liguei para a Gendarmería, uma das forças militares daquela nação. A informação foi de que, como eu era brasileira e estava a caminho da fronteira, não teria problemas para circular pelas rodovias. As unidades de Concordia, Corrientes e Paso de Los Libres foram uníssonas, o que me tranquilizou.
TERCEIRO DIA DA VOLTA: CONCORDIA – ALEGRETE
Mesmo assim saí de Concordia e comecei a viagem de 410 quilômetros até Alegrete com a preocupação de que a polícia não me deixasse seguir viagem. Vi barreiras nas entradas de alguns povoados, mas como eu permanecia na rodovia, isso não interferia no meu percurso.
![foto de concordia](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-de-concordia.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
Na divisa das províncias de Entre-Ríos e Corrientes, um policial de máscara pediu para que eu encostasse. Com educação e tranquilidade, questionou para onde eu estava indo. Respondi-lhe que Paso de los Libres, para a fronteira com Uruguaiana. Um pouco mais impaciente, indagou se eu iria para a cidade argentina ou para a brasileira. Contestei que queria voltar para o meu país.
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Ele então perguntou se podiam medir minha temperatura, ao que assenti. O agente sinalizou para que uma mulher, imagino profissional da saúde, se aproximasse. Trocamos meia dúzia de palavras e ela apontou termômetro infravermelho para minha testa, me informou que eu estava com 36.3 °C e avisou ao policial, que me liberou.
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Essa divisa era o que mais me preocupava, pois havia relatos de motociclistas que não puderam viajar em Corrientes. Segui mais calma até Paso de los Libres. Na entrada da cidade, outra barreira. O policial apenas me perguntou para onde eu estava indo e lhe disse que para a fronteira. Ele me instruiu a seguir direto, sem fazer paradas nem em postos de gasolina. Disse-lhe que não o faria.
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Contudo, eu ainda tinha pesos e queria gastá-los. O dinheiro da Argentina é muito volátil e não compensa guardá-lo. Além disso, a gasolina no país vizinho é melhor e mais barata. Decidi contrariar a orientação e abastecer. As bombas funcionavam normalmente, mas os sanitários estavam lacrados e só uma pessoa podia entrar na loja de conveniência por vez e era obrigada a consumir os produtos na rua. Sem problemas.
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Deixei a moto no estacionamento da imigração, onde havia poucos veículos – duas Tigers entre eles. Na fila, somente os dois motociclistas e eu aguardávamos o atendimento dos motoristas de ônibus que estavam na nossa frente. Eles transportavam argentinos que voltavam do Brasil por causa da pandemia de coronavírus.
Quando chegou minha vez, a funcionária colocou luvas para receber meus documentos e logo carimbou meu passaporte. No guichê em que se mostra a validação, o homem não usava EPIs contra a transmissão de coronavírus. Cruzei a ponte e, aliviada, cheguei ao Brasil.
![volta pelo coronavirus](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus-1.jpg?resize=500%2C750&ssl=1)
Como sabia que, infelizmente, o governo do meu país estava muito mais relaxado quanto aos cuidados com o coronavírus, rodei sem a tensão de ser parada pela polícia. Cheguei a Alegrete e fui recepcionada pela acolhedora família do Claudio e da Raquel, que ainda me levaram para um passeio em lugares sem aglomerações.
![volta pelo coronavirus](https://i1.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus-9.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
QUARTO DIA DE VOLTA: ALEGRETE – PORTO ALEGRE
O último dia de viagem foi o mais tranquilo – e, talvez, o mais triste. Para fazer de conta de que estava fazendo aquele caminho porque eu queria, e não porque tive que cancelar a viagem dos meus sonhos, optei por evitar a BR-290, por onde eu havia passado na maior parte do trajeto de ida, e optei por percorrer a BR-287.
![volta pelo coronavirus](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus-11.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
Meus anfitriões me acompanharam uns 60 quilômetros pela BR-377 até Manoel Viana, onde fizemos uma rápida parada para fotos e despedidas. De lá, segui sozinha uns 50 quilômetros pela ERS-241, 305 quilômetros pela BR-287 e os próximos 75 quilômetros pelas conhecidas BRs 386 e 116. Passei por uma obra da Copa de 2014 finalmente terminada na entrada de Porto Alegre e cheguei em casa depois de 42 dias de viagem.
![volta pelo coronavirus](https://i0.wp.com/melevaembora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/foto-da-volta-pelo-coronavirus-10.jpg?resize=1000%2C667&ssl=1)
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