Eu estava no meio da viagem dos meus sonhos quando as notícias sobre o rápido avanço do novo coronavírus chegou à minha atenção. Comecei a trip do Atlântico ao Pacífico em 9 de fevereiro de 2020, exatamente um ano depois de tirar minha primeira moto da concessionária, uma linda XRE 190.
Desde antes de sair de casa sabia o que estava acontecendo, especialmente na Ásia e na Europa. Mas nunca imaginei que a pandemia chegaria na América do Sul. Lembro de, com menos de uma semana de viagem, brincar com a caixa de uma ferragem de São Gabriel para não aceitar o dinheiro do meu amigo, que estaria contaminado pelo coronavírus.
O SINAL DE ALERTA: SHOW CANCELADO PELO CORONAVÍRUS
As informações que chegavam e inicialmente pareciam fake news foram, a cada dia, tornando-se mais sérias. Contudo, a ficha só caiu quando fui avisada que o show do Fito Páez que eu iria no dia 13 de março fora cancelado. Um dia antes de sua realização.
Fiquei frustrada, pois ficara na cidade uma semana mais só pelo espetáculo e o ingresso comprometera um pouco meu orçamento. Somente depois de superar a tristeza que percebi que a coisa estava muito séria. Mas como tudo ainda estava incerto, decidi prosseguir a viagem.
Saí de Rosario com a chuva que molhava meu capacete enquanto as lágrimas molhavam meu rosto. Uma angústia invadia o peito. Angústia que pela primeira vez sentia nessa viagem. Aquela situação indefinida me deixava insegura.
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Ainda debaixo de garoa cheguei em Bell Ville, já na província de Córdoba. Na chegada, no fim da tarde, compartilhei mate com a família que me recebeu. Depois li que já havia casos na região e neguei a bebida durante o café da manhã do dia seguinte.
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Peguei a estrada sem saber se seria parada pela polícia alguma vez. Passei pelo centro de Córdoba Capital, cujo movimento pareceu similar ao que encontrei em 2017. Conheci alguns lugares turísticos como o Dique San Roque e o Camino de las Cien Curvas.
Mas já me sentia culpada por fazer turismo naquele momento delicado e tentei ficar o mais afastada possível de outros turistas. Eu me conformei que a viagem que eu sonhava há cerca de três anos estava prestes a acabar, mas ainda achava que poderia conhecer um pouco mais da província de Córdoba antes de retornar.
FRONTEIRAS FECHADAS E QUARENTENA: O CORONAVÍRUS ACABA COM A VIAGEM
Contudo, já na chegada no maravilhoso hostel de Villa Carlos Paz, o dono já me deu uma péssima notícia (para mim, pois para a prevenção, foi ótimo): o Chile havia fechado suas fronteiras. Ponderei sobre a possibilidade de ela abrir nos dias que se seguiriam, mas considerei mais prudente cancelar a ida. Até por que eu correria o risco de entrar e não poder sair depois.
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No dia seguinte, sentada em frente à televisão da sala de estar enquanto trabalhava no blog, mais más notícias (para mim): a partir do dia seguinte, quando começaria um feriadão, viagens interprovinciais estavam proibidas em ônibus e aviões. Sem informações sobre veículos particulares.
Cogitei explorar outras localidades da região, mas por causa dos boatos de uma possível quarentena obrigatória e impossibilidade de circulação, preferi planejar a volta. Eu estava a mais de 1.500 quilômetros de casa.
O PRIMEIRO DIA DA VOLTA: VILLA CARLOS PAZ – ROSARIO
Ao invés de fazer um passeio tranquilo pelos agradáveis balneários dos translúcidos rios cordobeses, arrumei a moto e peguei a estrada. Foram 450 tensos quilômetros até Rosario. Eu tinha medo que a polícia impedisse minha circulação, especialmente na divisa entre as províncias de Cordoba e Santa Fe, mas ninguém me parou.
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Cheguei à casa do amigo José, de onde eu tinha saído há apenas três dias, em circunstâncias completamente diferentes. Ali eu me sentia segura para ficar, caso fosse necessário – mas essa seria a última opção.
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Liguei para o consulado brasileiro em Rosario, que me informou só atender via e-mail. O de Buenos Aires, com o qual só consegui contato pelo número de emergência em espanhol, não soube me informar sobre a situação da fronteira.
O SEGUNDO DIA DA VOLTA: ROSARIO – CONCORDIA
Decidi arriscar e enfreitei os 360 quilômetros até Concordia. Eu sabia que poderia ficar na casa da amiga Silvana até o fim das restrições durante a pandemia do coronavírus, caso fosse preciso. Novamente, o medo de me pararem não se justificou, nem mesmo na divisa das províncias de Santa Fe e Entre Rios, mesmo passando por mais de cinco controles policiais.
Foi na televisão de Sil que assistimos ao excelente pronunciamento do presidente argentino, Alberto Fernández, de declarou quarentena oficial na Argentina a partir da meia-noite daquele dia para tentar impedir o avanço do coronavírus. O decreto dizia que as pessoas deveriam ficar em seus domicíclios, a não ser para saídas indispensáveis.
Como eu não tinha domicílio na cidade, confiei nessa brecha para sair no dia seguinte. Pela manhã, liguei para a Gendarmería, uma das forças militares daquela nação. A informação foi de que, como eu era brasileira e estava a caminho da fronteira, não teria problemas para circular pelas rodovias. As unidades de Concordia, Corrientes e Paso de Los Libres foram uníssonas, o que me tranquilizou.
TERCEIRO DIA DA VOLTA: CONCORDIA – ALEGRETE
Mesmo assim saí de Concordia e comecei a viagem de 410 quilômetros até Alegrete com a preocupação de que a polícia não me deixasse seguir viagem. Vi barreiras nas entradas de alguns povoados, mas como eu permanecia na rodovia, isso não interferia no meu percurso.
Na divisa das províncias de Entre-Ríos e Corrientes, um policial de máscara pediu para que eu encostasse. Com educação e tranquilidade, questionou para onde eu estava indo. Respondi-lhe que Paso de los Libres, para a fronteira com Uruguaiana. Um pouco mais impaciente, indagou se eu iria para a cidade argentina ou para a brasileira. Contestei que queria voltar para o meu país.
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Ele então perguntou se podiam medir minha temperatura, ao que assenti. O agente sinalizou para que uma mulher, imagino profissional da saúde, se aproximasse. Trocamos meia dúzia de palavras e ela apontou termômetro infravermelho para minha testa, me informou que eu estava com 36.3 °C e avisou ao policial, que me liberou.
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Essa divisa era o que mais me preocupava, pois havia relatos de motociclistas que não puderam viajar em Corrientes. Segui mais calma até Paso de los Libres. Na entrada da cidade, outra barreira. O policial apenas me perguntou para onde eu estava indo e lhe disse que para a fronteira. Ele me instruiu a seguir direto, sem fazer paradas nem em postos de gasolina. Disse-lhe que não o faria.
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Contudo, eu ainda tinha pesos e queria gastá-los. O dinheiro da Argentina é muito volátil e não compensa guardá-lo. Além disso, a gasolina no país vizinho é melhor e mais barata. Decidi contrariar a orientação e abastecer. As bombas funcionavam normalmente, mas os sanitários estavam lacrados e só uma pessoa podia entrar na loja de conveniência por vez e era obrigada a consumir os produtos na rua. Sem problemas.
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Deixei a moto no estacionamento da imigração, onde havia poucos veículos – duas Tigers entre eles. Na fila, somente os dois motociclistas e eu aguardávamos o atendimento dos motoristas de ônibus que estavam na nossa frente. Eles transportavam argentinos que voltavam do Brasil por causa da pandemia de coronavírus.
Quando chegou minha vez, a funcionária colocou luvas para receber meus documentos e logo carimbou meu passaporte. No guichê em que se mostra a validação, o homem não usava EPIs contra a transmissão de coronavírus. Cruzei a ponte e, aliviada, cheguei ao Brasil.
Como sabia que, infelizmente, o governo do meu país estava muito mais relaxado quanto aos cuidados com o coronavírus, rodei sem a tensão de ser parada pela polícia. Cheguei a Alegrete e fui recepcionada pela acolhedora família do Claudio e da Raquel, que ainda me levaram para um passeio em lugares sem aglomerações.
QUARTO DIA DE VOLTA: ALEGRETE – PORTO ALEGRE
O último dia de viagem foi o mais tranquilo – e, talvez, o mais triste. Para fazer de conta de que estava fazendo aquele caminho porque eu queria, e não porque tive que cancelar a viagem dos meus sonhos, optei por evitar a BR-290, por onde eu havia passado na maior parte do trajeto de ida, e optei por percorrer a BR-287.
Meus anfitriões me acompanharam uns 60 quilômetros pela BR-377 até Manoel Viana, onde fizemos uma rápida parada para fotos e despedidas. De lá, segui sozinha uns 50 quilômetros pela ERS-241, 305 quilômetros pela BR-287 e os próximos 75 quilômetros pelas conhecidas BRs 386 e 116. Passei por uma obra da Copa de 2014 finalmente terminada na entrada de Porto Alegre e cheguei em casa depois de 42 dias de viagem.
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