São Paulo: Memorial da Resistência

Memorial da resistência
Os prisioneiros podiam tomar banho de sol por tempo limitado neste corredor

Resolvi ir no Memorial da Resistência de São Paulo depois de ler sobre o lugar no Outro Blog. Viajei a Sampa para um show do Nenhum de Nós no Cine Joia e me hospedei no Pauliceia Hostel. Cheguei no albergue, larguei minhas coisas, explorei um pouco suas instalações e já saí a pé rumo ao Memorial. Estava muito ansiosa para conhecê-lo.

Ao entrar no museu, o clima parece ficar mais pesado. Na primeira sala, como tema “controle, repressão e resistência: o tempo político e a memória“, há uma maquete da carceragem dentro da sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops/SP) entre os anos de 1969 e 1971. O espaço foi reformado para reproduzir este período. Além do modelo, há murais nas paredes com uma linha do tempo desde o fim do Século 19 até o início do Século 21, contextualizando cada época.

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Em seguida, chega-se ao conjunto prisional. Foram preservados os corredores principal e o do banho de sol e quatro celas. Primeiro entrei na área em que os prisioneiros tomavam sol, uma galeria estreita, com paredes altas, grades em cima e nas janelas das celas. A tristeza, que já era grande na sala anterior, chega com mais força. Passei um tempo naquela espécie de buraco claustrofóbico, pensando nas pessoas que estiveram presas ali simplesmente por não concordar com o sistema em vigor e tentar mudá-lo.

No caminho do hostel até lá ouvi canções Chico Buarque e Geraldo Vandré, já refletindo sobre a Ditadura Militar. Ao chegar ao Memorial, deixei a música de lado e andei pelo lugar em silêncio ou ouvindo as peças multimídia da exposição. Uma das seções era dedicada às obras artísticas de resistência, entre elas Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, de Vandré, e Cálice, de Chico.

As celas DO MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
Memorial da resistência
Na cela 1 é explicado o processo de criação do Memorial da Resistência

Na primeira cela há um histórico do projeto e de sua implantação. Ele foi inaugurado em 2009 após uma reformulação do Memorial da Liberdade, surgido em 2002. Apesar de o local ter servido de cadeia desde a Ditadura Vargas (1937-1945), a opção foi por reproduzir o período da Ditadura Militar (1964-1985) a partir da coleta de lembranças das vivências dos presos. Adesivos nas paredes mostram trechos de depoimentos.

Memorial da resistência
Máscaras homenageiam pessoas que ficaram encarceradas no Deops/SP

Vítimas da repressão são homenageadas na cela 2. Nomes de presos, desaparecidos e mortos estão inscritos em máscaras brancas espalhadas pelas paredes cinza. Acredita-se que uma das pessoas mais conhecidas que esteve encarcerada lá foi o escritor Monteiro Lobato. Ele foi preso durante a Era Vargas por defender a nacionalização do petróleo.

Memorial da resistência
Nomes de ex-presos políticos foram gravados na lateral das máscaras

Na terceira cela há a reconstituição do compartimento dividido pelos detentos. As inscrições na parede não são originais, mas baseadas em relatos de presos. Alguns deles voltaram ao lugar e escreveram seus nomes e os de companheiros assassinados e torturados. De acordo com uma das monitoras do Memorial, os vestígios da época foram apagados quando o Deops/SP desocupou o local para não deixar provas dos crimes.

Memorial da resistência
Inscrições nas paredes foram reproduzidas

Na quarta cela há apenas uma garrafa com um cravo vermelho no topo de uma caixa de madeira, iluminado com uma luz fraca. Depoimentos de pessoas que estiveram presas ali tocam na caixa de som. Um deles é o de Elza Lobo, que pediu à sua mãe que levasse ao cárcere flores e um bolo para poder compartilhá-los no Natal. É isso que está representado no cravo, o espírito de solidariedade e de resistência dos presos políticos.

Memorial da resistência
Cravo vermelho na quarta cela representa resistência e solidariedade
Passado, presente, futuro

A cada uma das celas, cai uma nova lágrima, cresce o nó na garganta e aumenta o aperto no peito – sensações que voltam no momento em que escrevo sobre o lugar e sempre que penso a respeito dele e de tudo que aconteceu lá. Mas não é só para lembrar e chorar pelo passado que a instituição existe. De acordo com o material de divulgação, “o Memorial busca promover a conscientização sobre os direitos humanos e colaborar para a formação da cidadania, pois, apesar da indignação que estes fatos ainda proporcionam, é preciso preservar essas memórias e extrair delas lições de vida que permitam a adequada compreensão do nosso tempo.” E esses objetivos são totalmente alcançados.

Carta Aberta – Correspondências na Prisão

Além da exposição permanente do primeiro andar, no terceiro piso há uma área para mostras temporárias. De dezembro de 2016 a março de 2017 aconteceu a tocante “Carta Aberta – Correspondências na prisão“. Mensagens originais enviadas por prisioneiros e suas famílias são apresentadas ao público. As frases de afeto, saudade, temor e esperança me fizeram chorar discretamente. Cópias estão a disposição para que os visitantes possam lê-las com mais atenção.

A Estação Pinacoteca

O Memorial da Resistência fica no prédio da Estação Pinacoteca – a Pina_Estação – (não confundir com a Pinacoteca de São Paulo – conhecida como Pina_Luz -, que também é nos arredores da Estação da Luz, mas são dois imóveis completamente diferentes). A construção que abriga a Pina_Estação foi erguida em 1914 pela empresa Estrada de Ferro Sorocabana.

Memorial da resistência
A Estação Pinacoteca abriga o Memorial da Resistência de São Paulo

Em 1940, o Deops/SP se instalou lá. A partir de 1983, com o fim do Departamento, o espaço foi ocupado por diferentes pastas do Estado. Em 2004, começou a ser usado para exposições da Pinacoteca de São Paulo. Em 1999, por causa de sua importância histórica e arquitetônica, foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

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7 comentários Adicione o seu

  1. Júlia diz:

    Cara, tô arrepiada. Imagino o que deve ter sido visitar o lugar.
    Difícil acreditar em tempos assim e mais ainda que, ainda que não nas mesmas proporções, novamente vivemos um momento de cortes tão profundos de direitos.

    1. melevaemboraestradaafora diz:

      O lugar já é intenso, Ju. Mas o pior é saber que aprendemos muito pouco com os períodos sombrios e que tem gente que quer a volta daquilo e/ou trabalha para qhe muitos direitos conquistados sejam jogados no lixo.

  2. Infelizmente não cheguei a ver as cartas, fui este mês para o Memorial, nem sabia que ele existia, descobri por acaso no meio de uns comentários no facebook. As máscaras brancas não estão mais lá. Pelas fotos que vi de outras pessoas parece q muitas coisas mudaram na exposição.

    O clima não é dos melhores no local, mas saí desapontada. Tinha potencial pra mais… Poderia ser maior… poderia ser mais forte. Está tudo muito “reformadinho” e novo…. Quem pede a volta daquele período dificilmente vai se chocar com o que o museu mostra.

    Foi um prazer conhecer o seu blog.

    1. melevaemboraestradaafora diz:

      Pois é… Eu achei bem marcante e forte… Mas as pessoas que pedem a volta desse período com certeza não têm a mesma sensibilidade que nós… 🙁

  3. Adorei, na próxima visita a São Paulo, quero conhecer este lugar… Espero que seja possível.

    1. melevaemboraestradaafora diz:

      Esperamos que seja possível.

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